16/05/2025 - Autor: Flávio Trevezani
Quando criança, ouvi de uma professora, em uma aula, que o Espírito Santo é como uma maquete do Brasil. Praias, montanhas, florestas, dunas, falésias, lagos, lagoas, cavernas, rios, parques naturais, cidades históricas, tem um pouquinho de tudo. Hoje entendo que era uma figura de linguagem simplificada, que o Brasil é muito mais amplo e rico. E essa comparação foi realmente marcante, tanto que não saiu da minha memoria, mesmo algumas décadas depois. Aquela ilustração exemplificava perfeitamente a riqueza plural do Estado. Essa riqueza torna o Espírito Santo um grande destino turístico, que é pequeno em extensão territorial, mas imenso em diversidade de paisagens, culturas e, consequentemente, em potencial turístico. Usando uma fala popular capixaba: “no Espírito Santo vai-se da praia às montanhas em menos de uma hora”. E é exatamente isso que torna o ES uma oferta extraordinária para quem busca uma experiência rica e diversa.
Apesar do estado Capixaba ainda não ser tão consagrado como os populares vizinhos Rio de Janeiro e Bahia, tem tudo para se tornar um potencial destino nacional. Neste cenário, o futuro do turismo no Espírito Santo é promissor e repleto de oportunidades. Porém, ainda não podemos dizer que o Estado já é um dos destinos mais desejados ou lembrados quando se trata do turista nacional e internacional. E aí surge a grande questão: se é tão rico de oferta, porque ainda não se tornou uma potência turística?
De belezas naturais únicas, ou raras, à uma cultura peculiar e autêntica, destinos turísticos podem possuir diferentes fatores que os tornam atraentes a quem deseja visitar e conhecer. Mas muito dificilmente uma beleza natural extraordinária, ou uma cultura encantadora, com difícil acesso e infraestrutura, conseguirão despontar como possíveis destinos turísticos dos mais desejados. Claro, caso sejam únicos e extraordinários, poderão de fato valer o desafio, riscos e esforço para tal. Mas muito provavelmente, se assim for, rapidamente os esforços privados e públicos investirão no acesso e infraestrutura do local. Não apenas pela percepção da necessidade, mas porque isso gera receita e favorece a economia. Mas há outros fatores que pesam consideravelmente na experiência do turista, para que ele retorne ou indique de forma empolgada e apaixonante para novos visitantes.
De maneira simplificada, podemos dizer que um destino turístico precisa possuir: atrativos, culturais ou naturais, infraestrutura, acessibilidade, gestão, promoção e a cereja do bolo, autenticidade e identidade. O Espírito Santo possui muitos desses critérios: belezas naturais como belas praias, montanhas ricas em cachoeiras, florestas, parques naturais, lagoas grandiosas, cavernas, falésias, dentre tantas outras. E possuímos riqueza cultural, como cidades históricas, arquitetura marcante, herança cultural de quilombos, comunidades de povos originários, cultura caiçara, povos europeus, dentre outras diversas.
Consequentemente, as culturas múltiplas do estado geram mais um quesito da lista de requisitos para se tornar um destino turístico cobiçado: a autenticidade. Apesar de alguns acreditarem que o capixaba não possui sotaque ou que se resume à moqueca e às praias de Guarapari, o Espírito Santo vai muito além. Como legítimo capixaba, já ouvi inúmeras vezes nas viagens pelo Brasil que nós capixabas falamos “cantando”. O capixaba possui o próprio vocabulário e expressão como taruíra, rock, pocar, massa, palha, gastura, iá. Além do próprio comportamento que pode até assustar muitos, tratando-se de turismo, mas cria a identidade capixaba.
Mas não basta possuir o principal apenas. É preciso preencher todos os requisitos citados e é aí que podemos melhorar.
Recapitulando, falamos de atratividade em belezas e cultura: temos! Falamos de autenticidade e identidade: sim, temos também. Mas quando entramos nos fatores acessibilidade, infraestrutura, publicidade e gestão, estamos começando a entender que não há outro futuro que não seja um estado potencialmente preparado para o turismo.
Branca Nunes pontuou em uma matéria para a Veja em 2020 uma coisa que ouço sempre em palestras e viagens: uma cidade para ser um bom destino turístico, tem de ser uma boa cidade para se morar. E aí entra a questão de acessibilidade e infraestrutura. Uma cidade onde as vias são amplas, o trânsito fluido, as rodovias em bom estado e duplicadas, as ofertas de meios de transporte são múltiplas, seguras e acessíveis, faz-se fundamental para que um morador possa usufruir de todo o recurso e opções que a cidade ou região oferece. Por consequência, o turista irá aproveitar a mesma acessibilidade para potencializar ao máximo sua estadia e desbravar amplamente os destinos a serem explorados.
Falando de acessibilidade, os maiores e mais conhecidos centros urbanos com grande busca como destino turístico, possuem um transporte público moderno e funcional. BRT, VLT, trens, metrôs, linhas expressas, bicicletas, patinetes elétricos, escadas rolantes, ascensores, bondinhos, plano inclinado, todos esses recursos tornam o acesso mais fácil, rápido e seguro. Tratando de road trip, turismo sobre rodas, não basta possuir estradas em bom estado, elas precisam comportar o fluxo e segurança, com duplicações, vias expressas, viadutos, contornos, túneis e passarelas em perímetros urbanos.
Como um exemplo ilustrativo, podemos comparar o Espírito Santo com Portugal. Ambos possuem uma extensão territorial semelhante, geográfica e relevo próximos e similares, principalmente de suas capitais. Em Portugal, as vias para as principais cidades são expressas, múltiplas, mas fundamentalmente, a oferta de opções de transporte vai além das rodovias. Portugal não é o melhor exemplo de infraestrutura ideal para turismo, mas as malhas ferroviárias, transporte aquaviário na Grande Lisboa, planos inclinados, ascensores, escadas rolantes em regiões de declive de livre acesso aos moradores mostram um pouco do que podemos, precisamos e provavelmente teremos em breve.
Para muitos, comparar um país que inteiro cabe em um estado, parece injusto, mas a comparação é para mostrar que todo o potencial que temos, geograficamente falando, necessita de uma infraestrutura de acesso melhor, para potencializar o poder de exploração do turista e a qualidade dos moradores.
E quando adentramos o quesito infraestrutura, fatores de infraestrutura acessória, como hotéis, restaurantes, comércio, eventos, geralmente acabam sendo consequentes ao fluxo que surge através do interesse por um atrativo natural ou cultural. Fomento a cultura, equipamentos de lazer, qualidade de uso dos espaços públicos torna uma cidade rica e agradável de morar, somado aos fatores atrativos das belezas naturais e riquezas culturais, a cidade concilia qualidade de vida com qualidade de estadia.
E é perceptível que o foco em equipamentos e opções de cultura, lazer e diversão tem ganhado maior enfoque, exemplo do Museu Cais das Artes que em breve abrirá suas portas na capital do estado, se tornando uma grande estrutura cultural capixaba. Ou a obra da região da Grande São Pedro e Ilha das Caieiras, em Vitória, que criou uma infraestrutura de decks e cais que maximizam o uso do espaço e da beleza da região. Mas, sabemos que sempre é possível ampliar cada vez mais os investimentos para novas cidades e microrregiões. E facilitar para que os próprios capixabas possam explorar o seu estado com qualidade.
Como falado anteriormente, em alguns casos, o desconhecido, a descoberta, a peculiaridade da existência de algo inesperado, inusitado em algum lugar torna o local atrativo e encantador. Isso faz parte do que falamos em identidade. Mas, para um lugar se tornar uma potência ou ao menos ser uma possível escolha, é preciso haver divulgação. Sem conhecer o que há de oferta, não é possível arriscar-se a algo. Isso quando tratamos do perfil médio dos turistas que buscam aproveitar ao máximo aqueles poucos dias de investimento do seu dinheiro e tempo livre.
Divulgar não apenas as atrações, mas mostrar como acessar, possibilidades de infraestrutura e a riqueza única da região, torna o local ao menos merecedor de ser cogitado em alguma disputa de possíveis destinos. E isso, é a base para atratividade turística. E os serviços acessórios e de experiência com certeza chancelam o sucesso ou a decepção de uma viagem.
Quando falamos de infraestrutura, não basta apenas ao poder público, mas aos empreendimentos privados estarem preparados e atrativos para atender o cliente. Frisando mais uma vez, seja ele local ou turista, um bom atendimento é a base para uma boa experiência em algum lugar. Não apenas os turísticos como hotéis e alguns restaurantes, mas farmácias, mercados e padarias. Todos negócios precisam oferecer experiências minimamente aceitáveis para que aquele cliente de passagem, possa informar a quem lhe questionar de como foi a estadia, de que tudo foi muito bom.
A gestão da cidade e região como destino turístico, precisa estar preparada também no setor privado. Muitas vezes uma beleza natural não precisa ser única, apenas ser atrativa. E quando a experiência no local faz dela agradável, ela se explica no questionamento: o que que tem demais nesse lugar? A resposta pode ser variada, mas todas elas vão se embasar no “além de bonito, é bom estar lá”. Em um destino, tratando-se de algum exemplo de acesso com baixa infraestrutura pública, havendo um atendimento acolhedor, profissional e qualificado, por mais simples que seja, os pontos negativos são minimizados e as possíveis necessidades de melhorias em outros campos acabam sendo compensadas.
Trazendo para o Espírito Santo, focando mais na região metropolitana do Estado, popularmente temos a percepção local de possuir um atendimento condizente com a famosa “personalidade capixaba”. A fama do capixaba de não ser muito aberto ou simpático. Colocando minha experiência pessoal como exemplo, em todas as minhas vivências turísticas no interior do estado, se eu tive algum atendimento negativo e ríspido, não me marcou ao ponto de me lembrar. Mas quando chegamos em capitais, a grande Vitória não foge à regra. Pessoas mais cansadas, irritadas, sujeitas a trajeto para ir e vir do trabalho maiores e massantes, podem impactar na forma como trabalham e atendem.
Possuímos a alcunha de “mal atendimento” por muitos. Muito disso carregado pela personalidade característica do capixaba, de ser pouco simpático, ou reservado como muitos preferem descrever. Mas é neste ponto que falo que quando as pessoas que moram num lugar são felizes, a percepção do visitante acaba sendo de que é um bom destino de estar. Quando ir e vir é menos desgastante, com maior qualidade, o humor certamente aumenta alguns níveis no cotidiano. Quando mais pessoas têm mais tempo para aproveitar as opções de lazer à sua volta, aumenta-se as ofertas de lazer e diversão cultural. Consequentemente, para o visitante, o destino se torna rico, imersivo e atrativo. Variedade alimentar, acessibilidade de consumo, serviços qualificados, tudo isso torna a residência mais qualificada, seja permanente ou provisória.
O Estado já é um destino turístico válido, rico e plural. E temos sim infraestrutura qualificada para o turista. Claro que tudo que está bom, pode melhorar e muito. Como citado anteriormente, quando há interesse e fluxo de turistas acontecendo em uma região, os poderes público e privado se mobilizam para estruturar de forma cada vez melhor essa experiência.
Tratando da região metropolitana de Vitória, há uma boa oferta hoteleira, museus, centros culturais, belezas naturais, transporte dedicado ao turismo, riqueza de opções e destinos. E olhando para os populares destinos turísticos do estado, fora da capital, temos alguns polos que oferecem uma boa infraestrutura e experiência. Mas existe um campo ainda maior e potencial no estado para se explorar turisticamente, abrangendo de norte a sul e do litoral às montanhas.
Sendo a menor capital do País em extensão territorial do Brasil, Vitória não possui mais tantas áreas potenciais para pólos industriais. Hoje, o turismo e atração de novos moradores para a cidade tornam-se as economias que mais poderão crescer. E tratando-se do Espírito Santo, a capital é a porta de entrada para a maioria dos turistas interestaduais e internacionais. A Porankatu aposta que num futuro breve, o Espírito Santo poderá ocupar uma boa posição no destinos de diversos brasileiros na hora de planejar sua viagem em busca de um turismo encantador. E aos gestores e empresários capixabas, fica a reflexão de que podemos ser um dos destinos mais procurados no Brasil, cabe agora planejamento, divulgação e investimentos. Mas, já somos apaixonantes e temos tudo para esse potencial, não há como discordar. Porque afinal, como disse minha professora do primário, o Espírito Santo é de fato uma experiência quase que resumida, das maravilhas que o Brasil tem para oferecer.
Autor:
FLÁVIO TREVEZANI
Fundador e CEO da Porankatu, Eng. Civil, Escritor e Designer Grafico.