19/04/2021 - Autor: Flávio Trevezani



Indígenas capixabas: Conheça sua história

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Em homenagem a história e aos últimos indígenas capixabas que ainda resistem à cultura do homem branco, vamos falar um pouco dos povos indígenas que viveram e ainda vivem no Estado do Espírito Santo, para aprender e relembrar a trajetória desse povo nesse 19 de abril. Todos sabem que antes da invasão e colonização portuguesa à terras capixabas, diversos povos já viviam aqui “muito bem, obrigado”. Alguns deles de forma bem pacífica, com caça, pesca, extrativismo, cultura, plantio, sombra e água fresca. Alguns outros, além dessas atividades, eram um pouco mais bélicos e hostis. 

Você sabe: Quais eram as etnias indígenas que existiam aqui antes da chegada dos europeus? Quais foram as tribos que migraram para região nesse processo de colonização? Qual foi o importante papel dos indígenas capixabas no desenvolvimento do Estado? E quais ainda resistem até os dias de hoje, mesmo com todo contexto histórico de perseguição e massacres? Se a resposta for não, então vamos lá nessa viagem histórica e cultural sobre os povos indígenas do Estado do Espírito Santo. E se for sim, vamos juntos também e quem sabe você aprende algo novo ou encontra algum ponto para debater sobre os indígenas capixabas?

Etnias originais dos indígenas capixabas

Em primeiro lugar, vamos deixar claro que indígenas não é “tudo igual” ou “a mesma coisa”. Da mesma forma como os povos vindos do continente africano também não são “tudo descendente de escravos”. Temos a cultura (muito falha) de não buscar compreender melhor as variações culturais, tribais e étnicas de outros povos que não sejam do velho continente. Assim como as culturas europeias são ricas e variadas, as ameríndias, africanas, asiáticas, entre outras, merecem sim sua diferenciação e destaque.

No Estado capixaba, em seus áureos primórdios verdes, a região era coberta de mata atlântica. Historicamente falando, os indígenas capixabas que predominavam no litoral pertenciam ao grupo, ou tronco, Tupi (que no sentido genérico do termo remete aos indígenas que habitavam a costa brasileira no Século XVI e que falavam a língua tupi antiga).

Para quem não entende de classificação linguística indígena, os indígenas brasileiros são classificados conforme suas etnias e estas são subdivididas em troncos linguísticos. No Brasil existem dois grandes troncos de língua indígena: Tupi e Macro-Jê. No território do Espírito Santo também ocorria a incidência de etnias pertencentes aos dois troncos. Não foram apenas os Tupis que dominaram o cenário original das terras capixabas, outras etnias pertencentes ao tronco linguístico dos Macro-Jês também marcaram e deixaram seu legado na história. 

Diversas etnias habitaram as atuais terras capixabas e deixaram descendentes e marcas importantes para formação do contexto histórico do Espírito Santo: Puris, Coroados, Goitacás, Pataxós, Tupiniquins, Tupinambás, Maxacalis, Guaranis, Temiminós, Tapuias ou Aimorés (Botocudos). Mas a maioria foi expulsa em disputas tribais ou dizimada no processo de colonização.

Distribuição geográfica

Como sabemos, fronteiras municipais, estaduais ou federais foram uma invenção trazida com os europeus. Antes, “tudo era mato” ou no caso “mata”. As fronteiras tribais eram variáveis, uma vez que a cultura indígena era migratória, residindo em uma região por curtos períodos. Após saturar o solo com seus plantios ou pelas variações naturais e climáticas, migravam para outra região. Isso faz com que durante o decorrer da história, etnias ocupassem regiões e depois as deixassem. Isso ocorria tanto por questões de cultivo e sustento, como por conflitos tribais. Porém, com a chegada dos colonizadores, as ocupações indígenas passaram ser mapeadas de maneira mais exata graças aos registros da colonização. A partir de então, pode-se identificar melhor as regiões ocupadas pelos indígenas antes da queda abrupta de suas culturas ocasionadas pela invasão europeia.

As tribos Tupi estavam espalhadas por toda costa capixaba no período da colonização no século XVI. Por volta dos anos 1000, os indígenas Tapuias, também conhecidos como Aimorés (Botocudos), que viviam na região sul do Estado foram expulsos pelos povos Tupis vindos da região amazônica, os Temiminós. Logo, os indígenas do tronco Tupi se espalharam por todo território que hoje é o Estado capixaba. Tupiniquins, Tupinambás, Temiminós, Goitacás eram algumas dessas etnias que já residiram em solo espírito-santense. Já as principais etnias Macro-Jê eram: Pataxós, Maxacalis e  Krenaks (Botocudos). Vieram para o norte do Estado migrando da região leste de Minas Gerais, oriundas dos vales dos Rios Cricaré e Doce.

No interior da região sul do Estado residiam os Puris, Aimorés (Botocudos) e Goitacás. Esses iam desde a região serrana do Caparaó, ao litoral da cidade de Anchieta e se estendendo até o norte do Rio de Janeiro.

Já em período recente da história, na década de sessenta, os Guarani-Mbyas chegaram ao Estado após uma longa migração iniciada na década de quarenta, originada no Rio Grande do Sul, encerrando na década de sessenta e se estabelecendo no município de Aracruz, numa caminhada denominada pelos próprios de Guata Porã.

Vista aérea do Monumento Natural dos Pontões Capixabas. Uma breve noção da paisagem antes da colonização.

Papel na História das terras capixabas

Historicamente falando, pelo olhar dos colonizadores, algumas etnias dos Tupis eram vistos como “índios bons”, como os Tupiniquins. Essa etnia ajudou a defender a baía de Guanabara contra os franceses no Rio de Janeiro. Já no território norte do Estado do Espírito Santo, os Tupiniquins da região do Vale do Cricaré, onde hoje é o município de São Mateus, preferiram se aliar aos franceses. Eles contribuíram para o carregamento de pau-Brasil em seus navios. Como resultado, os portugueses não viram essa aliança de forma muito satisfatória, o que contribuiu para sua perseguição e extermínio. Outras etnias tupis, como os Tupinambás e a maioria do tronco Macro-Jê, como os Pataxós, Maxakalis e principalmente os Krenaks, foram importantes dificultadores do processo de colonização. Os Krenaks também são conhecidos como Aimorés, termo usado pelos indígenas Tupis, e Botocudos, nomenclatura dada pelos portugueses (originado devido aos botoques labiais e auriculares que possuíam).

Os Krenaks, reconhecidos como os últimos botocudos do leste do país, eram um tanto quanto mais hostis. Ficaram famosos por serem os indígenas que atrapalharam a colonização da Capitania do Espírito Santo. Foram uma das etnias resistentes à invasão colonial e se recusaram em ter contato com o homem branco. Havendo também o fator da antropofagia, ou seja, comiam carne humana em rituais. Para povos de cultura cristã, isso parecia bem anticristão. Se pararmos para pensar, realmente causa um certo terror o fato de poder ser comido. Todavia, ser morto e abandonado em meio a floresta para ser comido por animais selvagens ou morto e comido assado, ambos os finais não eram muito animadores para nenhum dos lados.

Os últimos remanescentes indígenas no Espírito Santo

Hoje, toda uma larga população de indígenas residentes do território delimitado como Estado do Espírito Santo foi dizimada, tanto pela sua postura contra os invasores europeus, quanto pela sua fragilidade em relação a doenças trazidas e disseminadas pelos os colonos, como a varíola, por exemplo. Isso reduziu essa população ao longo do tempo e devido a diversos fatores, como perseguição, escravização, processo de aldeamento, preconceito, conversão religiosa, descaracterização cultural, miscigenação, desmatamento, eles perderam parte de sua cultura e tradição, o que chegou a levantar a falsa afirmativa de que não havia mais indígenas no Estado do Espírito Santo. Após lutas árduas por reconhecimento e recuperação de suas terras, em 1975, a FUNAI reconheceu oficialmente a presença de indígenas no Estado. Esse feito se deu graças a chegada dos Guarani Mbyas no Espírito Santo, o que contribuiu para o reconhecimento da existência dos tupiniquins que ainda restavam. 

Oficialmente, apenas dois grupos resistiram ao longo período de domínio e europeização do estado do espírito santo: os Tupiniquins e Guarani Mbyas, que hoje residem na cidade de Aracruz. Em 2007, finalmente tiveram o decreto homologado de 11 mil hectares de terras legitimamente indígenas protegidas por lei. 

Coisa de índio: Heranças marcantes da cultura indígena nos dias de hoje.

No vocabulário, nos hábitos ou na culinária, a cultura indígena influenciou grandemente a cultura nacional junto às influências dos povos africanos e demais imigrantes que vieram para cá. Mas sem sombra de dúvidas, a essência brasileira está muito ligada aos indígenas.

Pindaíba, muamba, arapuca, tocaia, catapora, cumbuca, guri, pereba, pipoca, nhe-nhe-nhem, mingau, entre vários outros, são termos cotidianos nossos de origem indígena.  Na culinária o urucum, ou colorau, é indispensável em muitas cozinhas. A farinha e derivados da mandioca também são ingredientes fundamentais da dieta legitimamente brasileira. Tapioca, biju, pirão, paçoca de carne são pratos oriundos de sua cultura. Eles também contribuíram para diversos pratos típicos e populares, como a moqueca. Prato famoso e típico do Estado que é a mistura de um ensopado de peixe português com um prato de peixe indígena. No Espírito Santo se come moqueca acompanhada de pirão, feito de farinha de mandioca, outra importante herança indígena.

E quando falamos em hábitos, andar descalço em casa, dormir ou curtir uma preguiça na rede, tomar banho diário são provenientes dos hábitos dos nossos povos indígenas. Sem falar que essa cultura de brincar muito com os outros, tirar sarro, sacanear, implicar, é muito presente na cultura indígena.

Da direta para esquerda: rede de balanço, andar descalço dentro de casa, tapioca. Heranças indígenas.

Capixabas mesmo!

O Estado capixaba possui muita influência cultural indígena: lendas, pratos típicos e utensílios. A legítima panela de barro capixaba é um exemplo disso. Ela tem a origem de seu processo de fabricação nos indígenas locais, onde o processo passou a ter influência dos povos africanos que vieram escravizados para o Estado. Além de nomes de lugares como Camburi, Cariacica, Aracruz, Apiacá, Marataízes, Muqui, Piúma, Guarapari, Sooretama, entre vários outros. E para não deixar de citar o próprio termo denominado aos nascidos na cidade de Vitória: Capixaba. Termo que também passou a ser compartilhado com todos os nativos do Estado do Espírito Santo. Capixaba significa “roçado”, “roça”, “terra limpa para plantar” segundo alguns pesquisadores. Alguns conhecem por “terra de milho” ou “plantação de milho”. Isso se deve ao fato de que os indígenas que aqui viviam chamavam de capixaba as suas plantações, que geralmente eram de milho e mandioca.

Por isso, quando pensar no Estado do Espírito Santo, pense em mais que um trecho de litoral com belas praias e montanhas, colonizado por vários povos europeus. O Estado capixaba é uma região com grande herança indígena e africana também.

Caso queira compartilhar mais informações sobre a influência dos povos indígenas capixabas ou demais povos que contribuíram para o surgimento de nossa cultura local, entre em contato conosco. Iremos ter o maior prazer de produzir mais conteúdos sobre nossas heranças.

Dica:

Se gostou do assunto e quer saber mais? Nossa dica fica para o bate papo super legal do “Coisas do Espírito Santo”, da CBN Vitória. Ele fala sobre os povos indígenas capixabas discutidos pelo o comentarista Fernando Achiamé e o Doutor Professor em história Júlio Bentivoglio. A conversa foi intermediada pela radialista Fernanda Queiroz e disponível em Podcast. Você também pode ouvir através do link abaixo na nossas referências, tanto em artigo escrito, quanto em áudio. Vale super a pena ouvir!

Referências:

Coisas do ES – “História dos povos indígenas do Espírito Santo”

CBN Vitória

Povos indígenas do Espírito Santo – Tupinikim

SAMBIO

Povos indígenas do Espírito Santo – Gurani Mbya

SAMBIO

Povo Capixaba

Governo do Estado do Espírito Santo

Povos indígenas do Brasil

PIB Socioambiental
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