01/06/2021 - Autor: Vivian S. Stein
Corpus Christi, palavra do latim que significa Corpo de Cristo, é uma manifestação religiosa que surgiu em 1243 na Bélgica e só em 1264 foi instituída pelo Papa Urbano IV para ser comemorada por toda igreja. Essa comemoração representada pelo catolicismo simboliza o Sacramento da Eucaristia. Segundo a Doutrina Católica a representação eucaristica é dada pelo corpo e sangue de Cristo, neste contexto a hóstia (corpo) e vinho ( sangue). Uma comemoração popular que foi implementada no Brasil no período colonial pela Monarquia Portuguesa e perdura até os dias atuais. Sem data fixa, essa comemoração acontece 60 dias após a Páscoa, sempre em uma quinta-feira, simbolizando a última ceia que também aconteceu no mesmo dia da semana há dois mil anos atrás. A Festa é composta por Missa, Procissão e adoração ao Santíssimo Sacramento, além da produção dos tapetes. Muitas pessoas utilizam a data como um feriado comum com o objetivo de descanso, já outros aproveitam o momento para se conectar com seu lado religioso ou para conhecer o significado de uma apresentação secular.
Independente da sua fé ou religião, o resultado da montagem dos tapetes é merecedor de visitação e vislumbre. Grandes áreas que simulam tapetes e passadeiras feitos de serragem e areia colorida, enfeitam as ruas por apenas um dia, começando na noite anterior que precede o feriado e desmanchadas pela passagem da procissão, uma marcha solene em que padres e outros clérigos desfilam carregando a imagem do Santíssimo Sacramento, seguidos pelos fiéis.
O costume de produzir tapetes antes da passagem da procissão de Corpus Christi, teve início em Portugal e com a colonização, esse costume também passou a fazer parte da cultura brasileira, resistindo ao tempo até os dias de hoje. Os tapetes de Corpus Christi como são conhecidos são verdadeiras obras de arte, as ruas por onde se estendem são compostas por belíssimas imagens e gravuras feitas a mão que simulam tapetes, ricos em detalhes e cores. Esses desenhos ilustram cenas, passagens bíblicas, figuras santas, símbolos e mensagens de fé. Cada cidade tem suas definições do percurso do tapete, podendo ser formados por alguns metros ou até quilômetros. Geralmente costumam acontecer no entorno de uma igreja ou ser uma ligação entre duas, criando o caminho da procissão.
Os tapetes são compostos por vários materiais que ficam a cargo da criatividade das pessoas que trabalham na confecção, os mais comuns são: serragem colorida, areia colorida, argila, cal, folhas, flores, material reciclável, entre outros. Os desenhos são definidos e são preenchidos com o material que pouco a pouco vão tomando forma e se transformam em obras de arte que só duram até o período de cortejo da procissão. Este cortejo representa a caminhada do povo peregrino à Terra Prometida. Seguindo a tradição, um padre guia a procissão conduzida sobre o tapete, seguido dos fiéis. No Brasil a tradição de enfeitar as ruas com tapetes deu início na Cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. Hoje essa cultura já é difundida por todo país, principalmente em cidades de cultura religiosa predominante católica.
As ruas são interditadas na noite anterior e assim uma gama de voluntários se dividem em grupos de forma organizada e iniciam os preparativos.Tudo feito por pessoas anônimas que dispõem de tempo e de fé para dar a sua contribuição ao embelezamento da festa. Além dos voluntários, também existem as pessoas da comunidade que contribuem indiretamente, que se envolvem na movimentação e auxiliam as pessoas que passam a noite construindo os tapetes, em forma de companhia ou com apoio através de um lanche e café para a noite não ser tão cansativa e silenciosa. A produção é o momento de aquecimento para a festa, assim famílias inteiras participam dos preparativos de forma descontraída e animada, já a criançada se diverte aprendendo um pouquinho de história e cultura.
É um momento consideravelmente festivo, que se estende por toda a noite, podendo chegar até o raiar do sol. A elaboração dos tapetes estimula uma pequena competitividade saudável entre os criadores, que procuram sempre criar artes cada ano mais belas e rebuscadas, na busca pelo tapete mais bonito ou criativo. Para quem já participou de uma montagem dos tapetes de Corpus Christi, sabe bem como a atmosfera se forma de maneira animada e tensa ao mesmo tempo. Quanto maior for a complexidade da arte a ser reproduzida nos tapetes, maior o tempo a ser gasto no processo e logo a criação passa a ser uma corrida contra o tempo. Uma vez que pela manhã, a população local se dirige até as ruas tomadas por essas artes coloridas estampadas para ver o resultado de uma noite de trabalho comunitário.
De jovens a idosos, entre risos e gritos de “quem tem areia azul para emprestar”, o momento que precede o ato solene é indiscutivelmente especial.
Castelo é um município do Sul do Estado que além das belezas naturais, é muito conhecido pelos lindos tapetes da tradicional Festa de Corpus Christi. A Celebração conta com a presença de centenas de pessoas, que se deslocam para ver os tapetes, para participar da procissão que percorre as ruas da cidade, para assistir às missas que acontecem durante todo o dia. As pessoas participam por diversos motivos, seja para expressar fé e religiosidade, praticar o turismo religioso ou têm o intuito de conhecer a festa por sua expressão cultural e popular. A tradição de enfeitar as ruas de Castelo como um ato religioso começou em 1963 com a iniciativa de uma freira, a Irmã Vicência ( Zuleide Pereira da Silva), que enfeitou a frente da Capela de Nossa Senhora das Graças com folhas e flores. No ano seguinte, um grupo de pessoas se reuniu com o auxílio do vigário e montou os tradicionais tapetes no Centro da Cidade. Nos anos seguintes o grupo foi tendo mais adeptos e voluntários e a festa começou a ganhar importância no cenário religioso. Nos dias atuais a Festa de Corpus Christi em Castelo, com pouco mais de meio século, é a segunda maior manifestação religiosa no Estado do Espírito Santo, ficando atrás apenas da Festa de Nossa Senhora da Penha, a Padroeira do Estado.
Provavelmente a prática religiosa da montagem dos tapetes ocorre em diversas paróquias e comunidades do Estado e Brasil afora. Claro que ver os tapetes em cidades tradicionais como Castelo ou Ouro Preto é um passeio mais que turístico, mas nem todos podem fazer esse trajeto para ver apenas os tapetes. Logo, cabe buscar outros locais mais próximos que também mantêm essa tradição. Geralmente, em municípios menores e de predominância religiosa católica é certo que essa prática ainda acontece todos os anos nessa data. Se você quer ir visitar e ver o resultado do trabalho de fé e arte dessas comunidades, é importante se atentar a alguns fatores importantes:
As procissões geralmente ocorrem no fim da tarde de quinta-feira. Para quem deseja vislumbrar todos os tapetes criados é importante ir horas antes da procissão para conseguir visualizar as artes criadas antes que essas sejam desfeitas na caminhada religiosa. Mas existem algumas paróquias e santuários que realizam as procissões pela manhã, então fique atento para garantir que veja todo percurso dos tapetes antes deles serem desfeitos.
Com certeza ver os tapetes prontos antes da procissão é quase uma tarefa obrigatória para quem reside nessas cidades que ainda persistem com essa tradição. E claro, é um programa completamente familiar, porém, muitas vezes essa arte acaba sendo afetada por cães de rua, outros animais, por alguns desastrados ou mal intencionados. Por isso, é comum ficar algumas sentinelas para garantir que o trabalho feito se mantenha intacto até o horário da procissão. Se deseja ir visitar junto a crianças ou animais de estimação, atente-se em mantê-los próximos e sob controle, porque sabemos que animais e crianças possuem energia e podem acabar passando sobre os tapetes sem querer. É bom evitar que isso aconteça por respeito ao trabalho e à fé dos demais envolvidos.
Em 2020, a montagem dos tapetes foi cancelada devido a pandemia de COVID-19 que ainda perdura a quase dois anos. Diversas dioceses já declararam que não haverá a montagem nesse ano (2021). As procissões poderão e deverão acontecer de maneira adaptada, em formato de carreata ou somente com os clérigos. Essa decisão visa a segurança dos fiéis e de todos envolvidos que dedicam-se à festividade. Mas mesmo assim, acreditamos que 2022 será um ano melhor e mais seguro. Com a pandemia controlada a tradição poderá continuar e enriquecer-se a cada ano, encantando os admiradores dessa arte e reavivando a fé de todos que creem nesse momento religioso.