23/06/2021 - Autor: Bea Chagas
Como tudo que remonta à infância e aquece a fogueira no coração, as festas juninas trazem à mente bandeirolas coloridas a espalhar alegria. Não vou deixar a “Noite de São João para além do muro do meu quintal”¹, porque quando a barraquinha do beijo é fechada, ainda se pode dar uma mordida na maçã-do-amor! São João não está dormindo neste dia 24. Vamos acordar e festejar!
Uma festa pagã² que celebrava a passagem da primavera para o verão no Hemisfério Norte em torno de 3.100 a.C. – essa é a origem das festas juninas. Bem antes da Idade Média (que foi do século V ao XV), era uma forma de homenagear os deuses da natureza e da fertilidade e de pedir fartura na safra. O solstício de verão (quando o dia é mais longo e a noite a mais curta do ano), entre os dias 21 e 22 de junho, era a altura da colheita de cereais, como o trigo. O sol era visto pelos povos antigos como símbolo de riqueza e de fertilidade, por isso, deviam ser-lhe rendidas graças e força. As festividades também tinham como intuito afastar maus espíritos e pragas que pudessem atingir a colheita.
Nessa época, o pão era um dos principais alimentos do povo na Europa. A partir do século XV, com a descoberta das américas4, o milho virou ingrediente presente no preparo da comida. Também era costume fazer fogueiras nas celebrações, o que se tornou um símbolo das festas juninas. Com a expansão e consolidação do Cristianismo no continente europeu a partir do século III, essas festas passaram a ser vistas como afronta à fé predominante. Para facilitar a conversão de povos pagãos e por não vencer a popularidade desses festejos, a Igreja Cristã atribuiu-lhes um caráter religioso e aderiu ao novo conceito da celebração popular. Com a aculturação das festividades do solstício de verão, ao acrescentar elementos cristãos a elas e a incluí-las no calendário festivo do Catolicismo, a festa, originalmente pagã, tornou-se cristã.
Os três santos católicos escolhidos para serem celebrados foram São João, Santo Antônio e São Pedro, os mais populares do mês de junho. Em Portugal, essa comemoração era chamada de Festa Joanina, uma possível alusão ao santo mais querido na época na “Terra de Além-mar”, São João.
São João Batista teria nascido em 24 de junho e seu nome foi dado a muitos reis. São Pedro, considerado o primeiro Papa da igreja, foi martirizado em 29 de junho. Santo Antônio, o santo lisboeta dos pobres e popularizado como casamenteiro, morreu no dia 13 de junho. Daí o nome Festas Juninas.
Os festejos juninos começam, tradicionalmente, no dia 12 de junho, véspera do dia de Santo Antônio, e se encerram no dia 29 de junho, dia de São Pedro. São João é celebrado nos dias nos dias 23 e 24, apesar da data oficial ser 24.
Foram os portugueses que introduziram as festas juninas no Brasil no período colonial. Enquanto lá a celebração dos grãos era com o trigo, aqui nas terras tupiniquins, o país não era um grande produtor do grão, logo, o grão mais comum cultivado e consumido era o milho. Daí a popularização das comidas típicas das festas atuais a partir desse ingrediente, como a pamonha e o bolo de fubá. Em pouco tempo, os festejos adquiriram características peculiares de diferentes partes do Brasil, por influências africanas e indígenas, algo comum em um país formado por culturas diferentes, desde tempos remotos.
Mel e gafanhotos não são comidas típicas das Festas Juninas. Eram, porém, os únicos alimentos de João Batista, aquele que antecedeu e anunciou a vinda de Jesus Cristo (Bíblia Sagrada, Livro de Eclesiastes, 1:9). Ele é o que batizava nas águas do Rio Jordão e recebe as homenagens no dia 24 de junho, data de seu suposto dia de nascimento.
João Batista teria nascido em Ein Kerem, na Judéia, no ano 2 a.C. Segundo o Evangelho de São Lucas, João era filho do sacerdote Zacarias e de Isabel (prima de Maria). Venerado como profeta e, posteriormente, como santo, João Batista pregava “o arrependimento dos pecados e o batismo”, como forma de renascer para uma nova vida, à espera da manifestação da Cristandade – já encarnada em Jesus, que passou a pregar e curar aos 30 anos de idade.
O anúncio das Boas Novas provavelmente foi um dos motivos que levaram a homenagem ao santo se tornar um grande e alegre festejo. Soma-se a isso a personalidade extrovertida e festeira do povo brasileiro para chegarmos ao Dia de São João entre fogos e folguedos³.
Componentes básicos:
A quadrilha é a dança típica das festas juninas brasileiras. Com origem nos bailes aristocráticos franceses (quadrille), que já tinham sua dança originalmente importada da Inglaterra (campesine), o bailado na versão brasileira é carregado de referências caipiras e matutas. Longe do ambiente aristocrático europeu e da corte nos tempos do Império, a dança se tornou popular e mesclada a manifestações de nossa cultura já fundida com a dos indígenas e africanos.
Como um “arrasta-pé” coreografado, a quadrilha manteve alguns comandos franceses, mas abrasileirados, como saruê (soirée – reunião social noturna – juntos, no centro do salão), anarriê5 e anavã. Atualmente, além estilizadas, tanto no figurino, quanto na música e na coreografia, ainda ditada pelo marcador. O casamento caipira foi incorporado à quadrilha e, normalmente, carregado de comicidade.
(Fonte: Biblioteca Virtual Governo do Estado de São Paulo | EBC Agência).
Diz-se que “a vida imita a arte”. A arte é hábil em retratar a vida e não esconderia seu poder para as celebrações populares. As Festas Juninas têm representações na música, na literatura, nas artes plásticas, no artesanato e em muitas outras manifestações estéticas.
No Brasil, ainda na década de 1940, a artista e professora Anita Malfatti começou a retratar cenas populares, incluindo as Festas Juninas. Os festejos também inspiraram um dos mais destacados pintores brasileiros, Cândido Portinari, autor de lindas criações da década de 1950. A música caipira é outra manifestação da arte que propagou as celebrações. E não precisamos ir muito longe, nem em distância, nem no tempo, para apreciarmos arte em ritmo junino. Esse belo poema de Graça Andreata, da cidade de Guarapari – ES, é um gostoso deleite aos amantes das rimas poéticas que nos levam ao clima de São João, mesmo nesse pesado período de pandemia.
Pé no chão (Graça Andreatta) 8
Fogos, clarões, fogueiras
Cheiro de alegria no ar
Mulheres, homens
Jovem mundo colorido
Festa no arraiá!
Bacia com o nome dele
Ou dela,
Água pra adivinhar
Apesar da pandemia
Da vida dura, carestia,
O mocinho e a mocinha
No faz de conta vão se casar.
Sirenes, bombeiros,
Luta pelo Planeta,
A vida mudou demais
Fumaça, buraco negro,
Ozônio, incêndios, triste fim,
Apelei pra Santo Antônio.
Fiz com os santos confusão,
Pedro, Antônio
Enfim, errei demais
Mas continuo pedindo
Ao querido São João
Triste porque
“O balão de papel fino já não sobe mais”
Acordei.
Melhor não sonhar não.
Visite os sites que sugerimos no final desta matéria e desperte o interesse por essas expressões artísticas, que valem cada ingresso, ou no caso, seus cliques!
Seja em um pequeno grupo, vacinado e coloridamente “mascarado”, ou virtualmente, neste ano, assim como em 2020, nós seremos artistas também. Baile consigo ou com sua família, mas não deixe de festejar! Siga alguma de nossas sugestões e arraste os pés no terreiro imaginário, mesmo no piso frio da sala de jantar! E vamos caipirar!
Si ôce cunhecê argum causo pra mode nois prozeá, iscreve pra nois, ué! I si ocê gostô, põe trem bão, fofoca pus cumpadi i pas cumadi e arrepassa!
Festas Juninas através da arte, poesia, música e pintura
Playlist de músicas caipiras e renionais para curtir na festa junina de quarentena – Cultura UOL
19 Produtos para fazer sua própria festa junina em casa – Claudia – editora Abril
Quadrilha marcada e falada com sucessos de Mario Zan Bandinha e Coro: Festas Juninas
1. “Noite de S. João para além do muro do meu quintal/ Do lado de cá, eu sem noite de S. João/ porque há S. João onde o festejam/ Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite/ um ruído de gargalhadas/ os baques dos saltos/ e um grito casual de quem não sabe que eu existo” (Fernando Pessoa, 1919).
2. Pagão – Pagão é toda a pessoa ou coisa que não está relacionada com o batismo do ponto de vista do Judaísmo e do Cristianismo e que adota rituais de religiões politeístas. O termo foi criado sob a perspectiva do monoteísmo (crença em um único Deus), principalmente o cristão.
3. Folguedos – Folguedos são festas populares de espírito lúdico que se realizam anualmente, em datas determinadas, em diversas regiões do Brasil. Algumas têm origem religiosa, tanto católica como de cultos africanos, e outras são folclóricas.
4. Foi a descoberta da América por Cristóvão Colombo, em 1492, e o posterior envio de produtos agrícolas à Europa que popularizaram o milho como alimento no Velho Continente.
5. Termo derivado do Francês “en arrière” (para trás).
6. Referência à canção homônima de Adauto dos Santos (1997), eternizada na voz de Inezita Barroso (1925 – 2015). A cantora, que também apresentava o programa “Viola, minha viola”, na TV Educativa Cultura, também lançou o álbum “Caipira de Fato – Voz e Viola” (1997), em parceria com o compositor Roberto Corrêa (1957).
7. Termo derivado do Francês “en avant” (para frente).
8. Escritora e poeta, membro da Academia Guarapariense de Letras e Artes –AGLA – Cadeira 6, patrono Amylton de Almeida. Poema composto em 22/06/2020.